Quando falo a respeito do transe hipnótico, algumas pessoas perguntam “Alberto, você parou de acreditar em Hipnose? Por que você fala tão mal do transe hipnótico?”.
Por isso, através desse artigo pretendo dar uma resposta definitiva para que todos possam entender o que eu penso sobre o transe hipnótico.
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O que é Hipnose?
Primeiro, para explicar o problema do transe hipnótico, precisamos definir “O que é hipnose”. Se pensarmos nas definições sobre o que é hipnose, teremos duas definições básicas:
A definição de Milton Erickson
A primeira se refere as definições naturais do dia a dia, isto é, definições que envolvem alterações na percepção da realidade.
Por exemplo, Milton Erickson entendia a hipnose como algo que tinha mais a ver com o estado de Flow. Um nível alto de concentração.
Então, segundo esse pensamento, a hipnose nada mais é do que você estar concentrado em uma ideia. E ao se concentrar, você só se preocupa com essa ideia e ignora as coisas ao redor.
Inclusive, para Milton Erickson, a ideia de Auto-Hipnose é justamente “sair do transe”.
Sair do chamado “transe tóxico”, ou seja, o sujeito que estava focado no problema, agora pode se distanciar para então ver mais possibilidades de solução.
Portanto, quando falamos de Hipnose Ericksoniana, é desse modelo de hipnose natural do dia a dia que estamos falando.
A definição de Dave Elman
Segundo Dave Elman, a hipnose aconteceria através do “rebaixamento da faculdade crítica para instalação de um pensamento selecionado”.
Dave Elman não deixa claro o que seria isso. Mas, acredita-se que a ideia está relacionada com uma sugestão que altera a nossa percepção de realidade.
E essa percepção de realidade seria alterada porque, de algum modo, a consciência do sujeito sofreria uma alteração da percepção sobre o que é real ou o não é.
Então, basicamente temos essas duas definições. A ideia de Milton Erickson, de que a hipnose acontece o tempo todo, o chamado transe natural. E a ideia de Dave Elman, de que a hipnose envolve uma alteração da percepção da realidade.
Sugestão em estado de vigília
No seu livro, Dave Elman chega a criticar a chamada “sugestão em vigília”. Para Dave Elman, o bocejo, apesar de ser contagioso, não seria hipnose. Na concepção dele, não existe “hipnose no dia a dia”.
Mas a hipnose pode acontecer até mesmo em estado de vigília quando, por exemplo, o médico fala para o paciente “isso vai doer”. E a dor do paciente aumenta de verdade, mesmo antes de o médico tocá-lo.
Para Dave Elman, isso é hipnose em estado de vigília, ou seja, mesmo de olhos abertos a pessoa está tendo uma alteração na sua percepção da realidade. No caso, o aumento da dor.
Outro exemplo é a pessoa que, pela manhã, vai tomar o leite no café da manhã e alguém fala “olha, esse leite está azedo”.
Mesmo que essa pessoa esteja “acordada” em estado de vigília, poderá sentir uma alteração na percepção do sabor do leite, no caso, para azedo.
A hipnose como um estado alterado da percepção
A ideia de níveis de transe hipnótico como, por exemplo, o sonambulismo que é considerado o nível mais profundo, não é compatível com a ideia de Milton Erickson sobre hipnose.
Por essa razão, vamos abandonar por um momento a ideia de Milton Erickson sobre o que é transe hipnótico e ficar com a ideia de Dave Elman.
Dave Elman vai falar da necessidade de aprofundar o estado de transe. Porém, encontramos um problema aí. O problema é o seguinte:
A hipnose é definida a partir da alteração na percepção da realidade, ou seja, eu falo que tem hipnose não porque tenha um estado mental diferente, mas porque existe um fenômeno hipnótico acontecendo.
Existe uma alteração na percepção da realidade. Pode ser uma anestesia no braço apenas com sugestão, ou a alteração do gosto de uma comida. Posso achar que o feijão realmente está azedo.
Então, percebemos que a definição do que é hipnose acontece a partir do fenômeno hipnótico.
O que a ciência diz sobre os fenômenos hipnóticos?
Além disso, a ciência já comprovou que é possível obter todos os fenômenos hipnóticos apenas com sugestão, sem a necessidade de uma indução hipnótica formal.
Até mesmo alucinação pode acontecer em estado de vigília, sem precisar de indução e aprofundamento.
Portanto, se é possível obter todos os fenômenos hipnóticos apenas com sugestão direta, sem a necessidade de “estado alterado de consciência”, o “transe hipnótico” fica sem função na hipnose.
No final das contas, a Hipnose é SUGESTÃO. E não temos, realmente, evidência de que o transe hipnótico é favorável para que a sugestão aconteça.
A subjetividade do transe hipnótico
Na perspectiva cientifica, definir o que é transe hipnótico é algo complicado. Porque, no geral, a definição desse estado vai partir de uma percepção completamente subjetiva da pessoa que está sendo hipnotizada.
Por exemplo, podemos hipnotizar 10 pessoas que entram muito bem em hipnose, que são totalmente sonambúlicos.
Após a experiência, se perguntarmos para cada uma delas o que sentiram durante a hipnose, é provável que cada uma descreva de forma diferente.
Algumas dirão “senti o corpo ficar pesado”, e outras poderão dizer “senti o corpo ficar muito leve”. E ainda “senti meu corpo esfriar, ou esquentar”, entre outros.
Por isso, é complicado para a ciência definir um conceito como o transe hipnótico, cuja percepção é totalmente subjetiva. Por essa razão, a ciência não aborda essa ideia.
A hipnose pode acontecer sem um estado alterado de consciência?
Alguém pode perguntar:
“Alberto, a ciência já identificou a existência de estados alterados de consciência durante o processo de meditação. Não seria esses estados alterados de consciência um sinônimo do transe hipnótico?”.
Gerald Kein, quando inventou o Ultra Height, falava que o Ultra Height era baseado nesses estados alterados de consciência, encontrados nos monges em estado de meditação.
Não seria então esses estados alterados da consciência uma prova de que o transe hipnótico existe?
A resposta é: mais ou menos!
Pelo seguinte: apesar de ser muito comum surgir estados alterados durante a hipnose, não é esse estado alterado da consciência que vai determinar o acontecimento da hipnose.
Posso ter estado alterado da consciência sem hipnose. O que acontece é que, frequentemente, a hipnose vai andar junto com o estado alterado da consciência.
Frequentemente a meditação vai andar junto com o estado alterado da consciência, mas isso não significa que a definição do que é meditação ou que a definição do que é hipnose vai passar pelo chamado estado alterado da consciência.
Inclusive, durante a Auto-Hipnose, vão ter pessoas que vão sentir realmente um estado alterado da consciência, mas não vão conseguir realizar as sugestões de auto-hipnose.
Analogia: O estado alterado de consciência é como o suor
Eu gosto de comparar o estado alterado da consciência com o suor. Imagine que você decide praticar exercícios físicos.
Afinal, praticar exercícios físicos com regularidade é bom para a saúde, melhora o humor e tudo mais.
Então, você começa a se exercitar e ter os benefícios da atividade física.
É comum a prática do exercício acontecer junto com o suor, certo? Claro que é! Ainda mais aqui no Brasil.
Se você pratica atividade física no Brasil, você vai chegar suado todo dia em casa. Ou seja, existe uma correlação altíssima entre a atividade física e ficar suado.
Por outro lado, tem um probleminha aí, você pode fazer exercício físico no frio. Se você praticar as atividades em um dia muito frio, você não vai ficar suado.
Isso significa que você não vai ter o benefício da atividade física? Claro que não. Só significa que você não ficou suado, apenas.
O estado alterado da consciência é como o suor, ele vai realmente acompanhar a hipnose e auto-hipnose/meditação, no entanto ele não é determinante para termos os benefícios.
O benefício da prática meditava e da auto-hipnose tem a ver com seus pensamentos, com a forma como eles ficam ou não ficam aqui e agora ou no futuro, não importa.
De acordo com a técnica, esse pensamento vai ficar de um jeito diferente, ou até mesmo não vai ficar, como no caso da meditação.
O estado alterado da consciência vai ser apenas um plus, um bônus que vai acabar surgindo, mas não é ele que realmente vai permitir a identificação do que é hipnose.
Aliás, tem gente que fala que hipnose sempre foi identificada como estado alterado da consciência.
Mas, espera aí! O estudo dos estados alterados da consciência só surgiu nos anos 60. E a hipnose existe há muito mais tempo que isso.
O transe hipnótico como uma vivência pessoal
O Neurologista francês e estudioso da hipnose, Hippolyte Bernheim, que viveu em 1840 nunca ouviu falar em estados alterados de consciência. Outros estudiosos, como Liébault, Braid e Mesmer também não.
Naquela época, a hipnose não era definida a partir do estado alterado da consciência, mas a partir dos fenômenos que aconteciam mediante as sugestões.
Portanto, se pensarmos no conceito de transe hipnótico, ele acaba surgindo como uma metáfora de como a pessoa se sente durante a hipnose.
O estado alterado de consciência pode ser sinônimo de transe hipnótico para algumas pessoas? Claro que pode, mas não é determinante eu ter esse estado alterado de consciência.
Tem gente que vai falar o seguinte “ah, mas a ciência identificou que hipnose não é um estado alterado da consciência, mas que existem realmente padrões cerebrais para alguém que está hipnotizado”.
Se for assim, é possível fazer o mesmo com qualquer coisa. Se, por exemplo, fizermos uma ressonância magnética no cérebro de uma pessoa enquanto ela joga vídeo game, conseguiremos identificar quais as áreas do cérebro que estão mais ativas naquele momento.
É possível identificar padrões cerebrais para qualquer atividade humana. Jogar vídeo game, resolver cruzadinha, fazer uma poesia de amor, compor um samba. Existem padrões cerebrais diferenciados até mesmo para quem está apenas caminhando.
O que não faz sentido é começar a denominar, rotular cada uma dessas atividades cerebrais. O cérebro vai funcionar o tempo todo.
É claro que vai existir algum padrão neuroanatômico durante alguns fenômenos hipnóticos. Mas, se a natureza do fenômeno for alterada, esses padrões também irão mudar.
Por exemplo, a maneira como o cérebro reage a uma sugestão de amnesia para perder o nome é diferente da maneira como reage a uma sugestão de anestesia.
A anestesia hipnótica certamente envolver áreas cerebrais diferentes de perder o próprio nome.
Então, se eu fico focando em hipnose ser o tipo de atividade cerebral ou o tipo de estado alterado da consciência, perceba que eu começo a ter uma definição de hipnose, tão particular que só vai servir para um fenômeno ou outro.
É muito comum, por exemplo, que artigos científicos envolvendo controle de dor com hipnose tenha uma definição restrita do que é hipnose. Pois, a definição usada só serve para o controle de dor.
Teoria de estado VS Teoria de não estado
Quando levantamos esse debate entre teoria de estado e teoria de não estado, chegamos à conclusão de que a teoria de estado quer identificar tudo aquilo que não é hipnose. Pois, segundo essa teoria, só existe um estado cerebral que pode ser considerado hipnose.
Por outro lado, a teoria de não estado vai entender a hipnose como um comportamento, e como tal, o comportamento pode ter varias formas de se apresentar, então as atividades cerebrais vão ser totalmente diferentes. Ainda que sejam comportamentos.
Por isso, eu prefiro ignorar a profundidade do transe hipnótico, porque o que seria essa profundidade? Se eu perguntar pra pessoa realmente o que é essa profundidade, ela acabar falando que é diminuição da frequência das ondas cerebrais.
Oras, mas essa questão de estado alterado de consciência tem a ver muito mais com o relaxamento do que com a hipnose propriamente dita, agora é claro vamos falar de aprofundamento de transe, muito mais como uma metáfora da imersão que cada pessoa tem durante o fenômeno hipnótico.
Agora, se a pessoa não está experienciando realmente um fenômeno hipnótico, provavelmente é porque a atitude mental e o comportamento dela estão inadequados.
Nesse caso, não adianta tentar aprofundar a experiencia hipnótica.
Quer saber ainda mais sobre os estados de hipnose? Confira aqui!