O Uso da Regressão na Hipnoterapia

Em toda a minha experiência, ao longo destes anos, muitas pessoas assumem a regressão como parte necessária do conjunto de técnicas de qualquer hipnoterapia.

Eu quero te mostrar outro ponto de vista hoje.

A falta de evidências sobre a regressão

Desde os tempos das terapias freudiana e psicodinâmica, muitas escolas de terapia acreditaram ser útil e catártico o uso da hipnose para induzir propositalmente reações-ab. Além da regressão de memórias traumáticas passadas para revivê-las. E uma vez não estando mais reprimidas, passarão a ter benefícios terapêuticos. Muitos diriam que não há evidência alguma para apoiar a utilidade desta ideia.

As pesquisas da psicologia mais conhecidas sobre memória claramente demonstram a natureza “reconstrutiva” desse tipo de memória. E que os clínicos estão (ou deveriam estar) conscientes dos problemas que cercam as controvérsias da síndrome da falta de memória dos anos 90.

Pesquisas sobre regressão de vidas passadas, por exemplo, falharam em provar qualquer evidência sólida. No entanto, pesquisas de regressão de idade mostraram, de forma consistente, como é fácil instalar memórias falsas de experiências da primeira infância.

Há críticas óbvias da metodologia de regressão de vidas passadas. Eu acho que as mais impressionantes são as das pessoas que fizeram a regressão para readquirir a linguagem falada. Vejo pessoas que regrediram à Roma à Índia Antiga, mas elas continuaram a falar o inglês moderno. Qualquer conversa era relembrada em inglês ー embora elas deveriam ter falado em latim ou sânscrito.

Regressão

Diria que é natural ser cético a respeito quando há uma óbvia falta de evidências básicas.

Não há um só exemplo de alguém que adquiriu a habilidade para conversar em uma língua morta, por exemplo, como já foi demonstrado em condições controladas. O problema com as técnicas de recuperação de memória foi bem documentado há muitas décadas agora. O notório caso de Bridey Murphey expôs a ingenuidade das pessoas, quando estas coisas tomam ares de sobrenaturalidade.

O dilema moral e legal

Há um verdadeiro dilema moral para hipnoterapeutas aqui. Se o cliente diz “eu quero a regressão”, nós temos a obrigação moral/legal de explicar-lhes a natureza reconstrutiva da memória, para o consentimento informado.

Uma recente retrospectiva da literatura científica e acadêmica, feita pelas cinco principais autoridades sobre o assunto, concluíram por recomendar que a Associação Americana de Psicologia (APA) deveria, na verdade, mudar sua regulamentação. Para que seja obrigatório para os psicólogos, que seus clientes assinem um contrato de consentimento, antes de submetê-los a qualquer tipo de regressão. Que expliquem, em escrito, que as pesquisas contemporâneas fornecem evidências irrefutáveis de que estas memórias são mais reconstruídas do que recuperadas.

Também precisamos olhar quais as evidências dizem o que é legal, ético nos interesses do cliente.

É uma coisa séria investigar se as memórias recuperadas são reais ou não. E a gravidade só aumenta ao observar a literatura sobre vítimas da síndrome da falsa memória. É inquestionavelmente uma decisão moral e legal, com implicações muito sérias para todo o campo da psicoterapia e hipnoterapia.

A Síndrome da Falsa Memória, nos anos 1990

Regressão

Este debate explodiu na mídia nos anos 1990, e já deveria ser de senso comum, por agora, que há motivos para preocupação. A maior parte das equipes profissionais foi forçada a emitir declarações de políticas sobre o risco relacionados à Síndrome da Falta de Memória, incluindo regressão de vidas passadas.

Em resposta às controvérsias que emergiram em meados dos anos 1990 ao redor da recuperação de memória e relatos de abusos, em 1995, a APA recomendou àqueles que buscam psicoterapia sejam cautelosos com terapeutas acreditassem ou desacreditasse, de imediato, em relatos sobre abuso sexual na infância. A organização ressaltou que o abuso de menores não têm correlação com qualquer conjunto específico de sintomas na idade adulta.

A Síndrome da Falsa Memória (SFM) foi um termo cunhado em 1992 pela Fundação da Síndrome da Falsa Memória. Descreve o fenômeno de que alguns adultos se lembram, tardiamente, de detalhes de um abuso sexual na infância. E eles podem estar enganados quanto à eficácia de suas memórias. As falsas memórias são resultados de terapia de memória recuperada, outro termo também cunhado pela FSFM, no ínicio dos anos 1990.

A Fundação da Síndrome da Falsa Memória

A FSFM é uma organização de apoio que atua em nome de indivíduos que afirmam ter sido falsamente acusados de cometer abusos sexuais. Algumas das figuras mais influentes na gênese desta teoria é o psicólogo forense Ralph Underwager, a psicóloga Elizabeth Loftus  e o sociólogo Richard Ofshe. Charles Whitfield, em seu livro de 1995 “Memory and Abuse”, afirma que todos os críticos do estudo mostram apoio a validação de memórias atrasadas. Que ele encontrou, são membros do conselho de administração da FSFM. (Charles Whitfield, MD, Memory and Abuse, 1995, p.71).

A teoria da SFM avançou na resposta do surgimento histórico de adultos que se queixavam de terem sido abusados sexualmente quando eram crianças. A teoria pode ser considerada uma resposta crítica a teoria psicológica da dissociação, na qual um indivíduo imagina reprimir uma memória de uma experiência traumática, até sua vida tardia.

Os proponentes da SFM argumentam que livros de autoajuda, tal como “The Courage to Heal and Recovered Memory” (“Coragem em Curar e Recuperar Memórias”), são os mais propensos a influenciar adultos a desenvolverem falsas memórias. De acordo com esta teoria, psicólogos e psiquiatras podem acidentalmente implantar estas falsas memórias. Os consultores sobre tolerância religiosa de Ontário especularam que, durante os anos 80 e 90, milhares, ou dezenas de milhares, tentaram recuperar memórias de abusos na primeira infância dos seus clientes.

As técnicas, práticas e exercícios usados nessas tentativas são frequentemente referidos como Terapia de Memória Recuperada (TMR). Algumas vezes, resultam em alegações de abusos praticados por indivíduos contra membros de sua família. Muito destes indivíduos rompem toda a conexão com os pais deles, centenas dos quais são condenados por estes crimes e presos. Muitas dessas pessoas, em alguns processos, são libertados. Em parte devido aos esforços da FSFM em uma ampla e cética reavaliação da TMR, quanto à veracidade das memórias recuperadas por indivíduos.

Um artigo descreveu um caso em que memórias vívidas, porém incorretas, pareciam ser induzidas em uma pessoa que tinha sido diagnosticada com um distúrbio dissociativo, similar ao distúrbio de personalidade múltipla. Os defensores da SFM afirmam estar preocupados que as memórias supostamente reprimidas de um indivíduo podem não ser historicamente precisas. Os defensores da SFM acreditam fortemente que essas lembranças são, muitas vezes, confabulações que, se tomadas como fatos, podem resultar em acusações injustas. Além de trazer sofrimento emocional e financeiro ao acusado.

Pesquisas mostraram que indivíduos traumatizados respondem usando uma variedade de mecanismos psicológicos. Um dos meios mais comuns de lidar com a dor é tentar afastá-la da mente . Alguns rotulam o fenômeno do processo pelo qual a mente evita o reconhecimento consciente de experiências traumáticas como amnésia dissociativa. Outros usam termos como repressão, estado dissociativo, amnésia traumática, choque psicogênico ou esquecimento motivado. Semântica à parte, há uma aceitação científica, quase universal, do fato de que a mente é capaz de evitar a lembrança consciente de experiências traumáticas.

Há muita pesquisa sobre o efeito do trauma na memória, também. Brown, Scheflin e Hammond revisaram 43 estudos relevantes ao tema da memória traumática. Descobriram que todos os estudos que examinaram a questão da amnésia dissociativa, em populações traumatizadas, demonstraram que a minoria esquece o evento traumático vivenciado. Logo, recupera as memórias do evento.

Além disso, afirmamos que, se os terapeutas decidirem usar técnicas de recuperação de memória, devem fornecer a seus clientes um documento de consentimento informado por escrito que os informe sobre:

  • informações precisas e cientificamente fundamentadas sobre a natureza reconstrutiva da memória;
  • o fato de que as memórias recuperadas devem ser corroboradas antes que possam receber crédito especial;
  • e informações sobre estudos laboratoriais de memória pertinentes à técnica empregada.

(Lynn, Lock, Loftus, Krackow e Lilienfeld, 2003)

Basicamente, a alegação da equipe de pesquisa citada acima é que os terapeutas têm uma obrigação legal e ética de explicar as evidências atuais sobre a natureza reconstrutiva da memória. A fim de cumprir seu dever de cuidado e de obter o consentimento informado de seus clientes.

Vítimas da Síndrome da Falsa Memória

Regressão

Examinei o site da Sociedade Britânica da Falsa Memória, um grupo criado para proteger as vítimas da Síndrome da Falsa Memória. Há relatos de muitas pessoas, ao longo dos anos, que foram deixadas perturbadas por falsas memórias instaladas durante a regressão a vidas passadas ou terapias de memória reprimidas.

Além disso, quando as pessoas revisitam experiências traumáticas passadas, em sua mente, por meio da hipnose ー conhecida por amplificar estados e emoções ー, corremos o risco de nova traumatização. Isto expõe a pessoa a toda as emoções e sensações cruas da experiência origina, como acentua o problema. Quando temos um dever de cuidado e um dever legal, temos, portanto, o dever de evitar o uso de regressão na hipnoterapia, dessa maneira.

É claro que, na hipnoterapia, não somos capazes de, realmente, voltar no tempo. Podemos perceber que estamos em uma experiência passada, mas o indivíduo não está realmente presente. Assim, sugerir que as mudanças podem ser feitas no evento original, revivendo-o, como fazem muitos hipnoterapeutas psicodinâmicos, é uma espécie de falácia. De fato, Laurence e Perry (1981) sugerem que é, na verdade, uma dramatização, ao invés de ser regressão.

Como citado anteriormente, a encenação é um recurso eficaz de criar um comportamento. E, se um cliente estiver interpretando uma memória indesejada, isso pode significar que está apenas reforçando a memória indesejada e incorporando, ainda mais, a resposta indesejada a ela.

É decisão do cliente fazer a regressão

Eu acho que você reduz esses riscos, não fazendo regressão na hipnoterapia. Em contrapartida, você pode aconselhar o cliente sobre esses pesquisas e dar-lhe uma escolha mais informada, ao fazer tal terapia. Dito isto, se alguém insiste em uma regressão ou abordagem psicodinâmica para uma sessão de hipnoterapia, existem algumas maneiras de diminuir os riscos. Por exemplo, a terapia de exposição, ou dessensibilização. Estas podem ser usadas de acordo com o nível de conforto que o cliente é capaz de sentir, quando exposto a essas memórias.

Pode também indicar-lhe uma série de habilidades para lidar com a revisitação de tais memórias: lugares seguros imaginários, exercícios de respiração para neutralizar quaisquer respostas negativas e técnicas de relaxamento.

 

Por: Adam Eason, hipnoterapista. Artigo traduzido e adaptado de The use of regression in hypnotherapy.

 

Veja também: Questionando Cientificamente a “Regressão à causa” Usada pelos Hipnoterapeutas