Se um policial lhe dissesse “Não pise na grama”, ou se o dono de um bar lhe dissesse: “Não batuque sobre a mesa”… Provavelmente você obedeceria, correto?
Certamente, você também obedeceria um cego que lhe pedisse ajuda para atravessar a rua.
Mas, e se uma autoridade lhe dissesse para machucar alguém, será que você faria isso? E se, por exemplo, esta figura de autoridade lhe desse a ordem de torturar alguém, você faria isso?
Talvez você esteja pensando: “Jamais faria isso!” Mas, infelizmente existe uma grande chance de você estar errado nessa resposta.
Continue lendo para saber o porquê!
O experimento de Milgram
Por que pessoas aparentemente boas cometem atrocidades?
Por que alguém que é bom pai, bom marido e paga seus impostos em dia e seria capaz de torturar alguém?
Para responder esta pergunta, vamos descrever um dos experimentos de psicologia mais aterrorizantes de todos os tempos!
Tudo começou durante o julgamento de Adolf Eichmann, chefe da sessão de assuntos de judeus, no período da Segunda Guerra Mundial. Ele trabalhava para o departamento de segurança de Hitler e foi responsável pela execução de centenas de judeus.
No dia do seu julgamento que, aliás, foi televisionado. O mundo esperava a chegada de um monstro, um nazista fanático. No entanto, o que eles observaram foi a chegada de um burocrata.
Adolf Eichmann parecia muito mais com um funcionário de repartição pública. Alguém que apenas assina e autoriza documentos e não um nazista fanático, torturador de judeus.
Durante o seu julgamento, ele insistia que apenas seguia ordens. Ordens que ele simplesmente não pensou em questionar. Mesmo que isso fosse verdade, seus argumentos não serviram de nada. Ele acabou sendo executado ao final do julgamento.
Apesar de Eichmann ter sido executado, um psicólogo e pesquisador da Universidade de Yale ficou pensando sobre esse assunto. Ele ficou intrigado e pensou: “E se ele estivesse realmente apenas seguindo ordens?”.
O nome desse psicólogo era Stanley Milgram. Ele foi o responsável pela criação de umas das pesquisas mais aterrorizantes na psicologia do século XX.
Milgram queria responder aquela pergunta que nós fizemos no inicio do artigo!
O que uma pessoa com um seria capaz de fazer apenas seguindo ordens?
Para o experimento inicial, Milgram recrutou 40 voluntários. Ele colocou um cartaz na universidade pedindo voluntários para ajudá-lo com um experimento envolvendo memória. Obviamente, a pesquisa sobre memória era apenas uma fachada.
Para realizar o experimento, ele criou um falso gerador de choques elétricos. Esse gerador teria 30 interruptores com ordem progressiva da força do choque elétrico — indo de 30 volts até 450 volts e terminando em XXX.
Em uma época que ainda não tínhamos realmente internet, esse XXX significava realmente perigo. Esses interruptores estavam com rótulos que iam desde choque leve, passando por choques moderadores, choque perigoso, letal, até chegar no XXX.
Para começar o seu experimento, Milgram criou uma dupla envolvendo o voluntário, que viu o cartaz na universidade. E um ator, que iria fingir que também era um voluntário. Para o teste de memória, cada um desses voluntários teria um papel diferente.
O voluntário verdadeiro, que não sabia nada do experimento, recebeu o papel de “professor”. O outro voluntário, que na verdade era um ator, recebeu o papel de “aprendiz”.
Havia uma terceira pessoa no experimento, que foi chamada de “pesquisador”. O Pesquisador também era um ator (Milgram não participou diretamente).
O professor (voluntário) e o pesquisador (ator) ficaram em uma sala isolada. Enquanto o aprendiz ficou em outra sala, preso a uma cadeira com eletrodos, que poderiam lhe dar choques.
É claro que esses eletrodos não davam choque de verdade no aprendiz, mas o voluntário da pesquisa não imaginava isso.
O experimento
Uma vez que todos os participantes estavam ocupando seus lugares nas salas, era solicitado ao aprendiz que memorizasse uma lista de palavras.
A cada erro que o aprendiz cometesse, o professor aplicaria um choque. Mas, conforme o aprendiz cometesse mais erros, a intensidade do choque deveria ser aumentada.
O experimento se inicia e o aprendiz começa a cometer erros propositalmente. Então, o professor vai aumentando a intensidade dos choques.
Conforme o professor ia aumentando a força do choque, o aprendiz que estava na outra sala, começa a gritar, pedindo para interromper o procedimento.
Porém, se o professor hesitasse em continuar o experimento, o pesquisador simplesmente dizia “Por favor, continue”. Se mesmo com a ordem do falso pesquisador, o professor, que era o voluntário, não quisesse continuar dando os choques, o pesquisador mudava seu discurso.
Ele falava o seguinte “O experimento precisa que você continue” ou “É absolutamente essencial que você continue” ou até mesmo “Você não tem outra escolha que não seja continuar”.
O perigo da obediência
Na época de Milgram, antes da execução desse teste, os psiquiatras mais famosos da época falavam que no máximo 1% das pessoas seriam capazes de chegar ao choque letal.
No entanto, toda a comunidade cientifica da época ficou muito assustada ao descobrir que 2/3 dos voluntários chegaram ao choque XXX.
Ou seja, esses voluntários teriam sido capazes de matar aquela outra pessoa.
Ao longo do tempo, Milgram acabou repetindo esse experimento mudando algumas das suas variáveis.
Por exemplo, se o professor que iria aplicar os choques ficasse na mesma sala que o aprendiz, a taxa de pessoas que chegavam ao choque letal caía drasticamente.
Por outro lado, se o pesquisador dissesse: “Não se preocupe, eu assumo toda a responsabilidade por essa sua atitude”, o número de pessoas que chegavam ao choque letal aumentava drasticamente.
Ao contrário do que você talvez esteja imaginando, não foi fácil para essas pessoas que chegaram ao choque letal. Esses 2/3 iniciais de pessoas que chegaram ao choque letal, não chegaram bem até lá.
Elas hesitaram, choraram, gritaram… Muitas delas não queriam continuar o experimento. Mas devido à autoridade, devido ao fato de ter alguém assumindo a responsabilidade pelo ato, elas acabavam obedecendo.
Outra variável interessante que foi observada era que se existisse um contrato assinado envolvendo a execução da experiência, a taxa de sucesso aumentava. Ou seja, se as pessoas tivessem assinado no papel, formalmente, o compromisso de participar da experiência, maiores eram as chances de chegarem ao choque letal.
Como o experimento de Milgram pode nos ajudar?
O que podemos concluir a partir do experimento de Milgram? E mais do que isso, o que há de positivo por trás de um experimento como esse?
Um experimento como esse nos permite duas aprendizagens, que aparentemente são opostas.
1. Não somos diferentes
A primeira é compreendermos que não somos especiais. Frequentemente quando alguém vê um delinquente, pensa “ah, eu jamais faria aquilo.” Será? Como você poderia ter certeza disso?
Se fosse conosco, será que realmente faríamos de forma diferente?
É importante ressaltar que a importância do experimento de Milgram não é tirar a responsabilidade das pessoas que cometem os crimes. As pessoas que causaram os choques realmente foram responsáveis por aquilo e se fosse realmente um crime, elas deveriam pagar por aquele crime.
No entanto, apesar de elas serem responsáveis, experimentos como esses nos podem trazer a humanidade necessária para entender. Por exemplo, a necessidade da ressocialização, da reinserção dessas pessoas na nossa sociedade.
2. Somos agentes da mudança
O segundo ponto importante que pode ser concluído a partir da experiência de Milgram é que somos agentes da mudança, somos capazes de mudar.
Isto é, ao mesmo tempo em que existem variáveis externas, que são capazes de modelar o nosso comportamento, nós também somos capazes de inibir esses comportamentos.
Philip Zimbardo, autor do livro “Efeito Lúcifer”, fala que no momento que temos esse fenômeno do Efeito Lúcifer, em que pessoas boas são capazes de cometer atrocidades, temos também o surgimento dos heróis.
O herói nada mais é do que aquele que se torna o agente da mudança. Então temos que identificar esses fenômenos sociais acontecendo, para nos colocarmos como alguém que faz a diferença.
Aliás, não fosse essa nossa habilidade, não seríamos muito diferentes dos outros animais, não é mesmo?