Compulsão Alimentar: A Neurociência Por Trás Desse Transtorno

Nos dias de hoje, tornou-se muito comum que algumas pessoas se identifiquem como “chocólatras”, em referência a paixão que possuem por comer chocolates.

Mas, será possível ficar viciado em salgados, doces e massas, ao ponto de comer descontroladamente, mesmo estando sem fome?

É isso que acontece com pessoas que possuem o transtorno de compulsão alimentar!

O que é a compulsão alimentar?

Segundo o Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5), a compulsão alimentar é caracterizada pela necessidade de comer quantidades exageradas de alimento dentro de um curto período de tempo.

Após cada episódio de compulsão, a pessoa se sente profundamente culpada, pois repudia o próprio comportamento.

Porém, em outros momentos, acabará repetindo o comportamento compulsivo, criando um looping de infelicidade.  

Isso evidencia que o ser humano desenvolveu uma relação com a comida que vai muito além de “matar a fome”. As pessoas também consomem alimentos por razões psicológicas e emocionais, que serão explicadas nesse artigo.

A neurociência do vício em comida

O consumo de doces pode ser tão viciante quanto o uso de drogas.

Mas, para entender como o hábito de comer pode se transformar em vício, é preciso conhecer a neuroanatomia funcional do prazer.

A procura por comida está baseada na sobrevivência do organismo, mas também no prazer de comer.

O cérebro possui uma região denominada “circuito cerebral hedônico”. É composto de três centros que trabalham em rede ativando neurotransmissores responsáveis pelo controle da sensação de prazer.

Esses centros de prazer são responsáveis por três comportamentos distintos, embora interligados:

  1. Gostar;
  2. Querer;
  3. Aprender.

O transtorno de compulsão alimentar desenvolve-se com base na disfuncionalidade desses comportamentos.

1. Gostar

O controle da sensação de gostar está localizado primordialmente em uma região do cérebro chamada Núcleo Accumbens. Não tendo mais de um centímetro de extensão no cérebro, essa é a região mais estudada pela ciência, até o momento.

Em uma experiência feita com animais, neurônios dessa região foram estimulados com micro injeções de substâncias doces e moduladores neuroquímicos. Essa ação aumentou de duas a três vezes a sensação de gostar desses animais.

Os hormônios relacionados ao comportamento de gostar são produzidos para nos ajudar a sobreviver. Uma vez que direcionam nossa atenção para atividades que garantem nossa sobrevivência, como buscar alimentos ricos em energia e nutrientes (p ex.: açúcar, carne, sal…), nos atrair para a reprodução e cuidado com a prole.

2. Querer

Quando gostamos de algo, o cérebro ativa os processos neurais do querer. Uma atenção focada que pode durar dias.

O objeto do desejo torna-se um estímulo saliente. Isto é, um estímulo que se sobrepõe a outros.  

O comportamento de querer está apoiado principalmente na ativação do neuro-hormônio dopamina, no sistema límbico. E se manifesta através de um pensamento automático, involuntário e repetitivo.  

Querer e Gostar são comportamentos diferentes

É importante deixar claro que o comportamento de gostar é diferente do comportamento de querer. É possível querer sem gostar.

Esse é exatamente o caso da compulsão alimentar e vícios em geral.

A separação/dissociação entre esses comportamentos é possível porque são processados em áreas diferentes do cérebro.

Enquanto os centros que controlam o querer estão localizados no sistema límbico, os centros que controlam o gostar estão principalmente nas regiões do córtex cerebral como o córtex orbitofrontal.

Isso explica porque pessoas com compulsão alimentar demonstram um comportamento compulsivo de querer. Elas farão todo o esforço possível para obter a comida.

Mas, ao mesmo tempo, do ponto de vista da consciência, sentem culpa e gostariam de não se comportar assim.

O problema é que, quando uma pessoa consome muito de uma substância, o cérebro desenvolve tolerância diante dela e o viciado precisa consumir quantidades maiores para obter a mesma sensação de prazer que um indivíduo não viciado.

3. Aprender

O terceiro componente que mais influencia a experiência do prazer é o aprendizado. Isso acontece porque cada vez que trazemos uma memória à consciência, acabamos por conservá-la melhor.

Quanto mais você se lembra de um fato, mais a memória desse fato é reforçada em sua mente. E da próxima vez que você se lembrar disso, a lembrança virá com mais facilidade e naturalidade.

O fenômeno é o mesmo para lembranças negativas ou positivas.

Por outro lado, se não nos lembramos de algo durante muito tempo, a memória desse fato vai, aos poucos, sendo perdida.

Mas, como isso influencia a relação do ser humano com determinados alimentos?

A resposta está em um processo chamado condicionamento comportamental.

Condicionamento comportamental

Compulsão alimentar

Toda vez que uma lembrança é reescrita em nossa memória, ela pode ser reescrita de maneira ligeiramente diferente.

Por exemplo, o uso de drogas envolve associações mnemônicas entre o ato de consumir a droga, os ambientes propícios ao consumo e os efeitos da estimulação das drogas nos centros cerebrais que controlam o querer e o prazer.  

Essas associações são aprendidas e guardadas na memória. Geram também um condicionamento comportamental. Ou seja, quando o usuário consome a droga em determinado local, as chances de ele passar por aquele local e desejar consumir a droga novamente, aumenta.

As propagandas de alimentos

Existem também muitas evidências de que as propagandas de alimentos e bebidas açucaradas ou com sabor doce (refrigerantes, sucos de frutas industriais, sucos em pó), geram esse mesmo condicionamento comportamental da seguinte maneira:

  1. A pessoa vê/escuta algo relacionado ao alimento.
  2. Consequentemente, lembra-se do alimento e do prazer que esse pode lhe proporcionar.
  3. Passa a querer consumir o alimento, com ansiedade.
  4. Se sente recompensada, naquele momento, após consumi-lo.

As mensagens que chegam através da propaganda podem ser perigosas e nocivas, em especial para as pessoas mais suscetíveis como crianças e adolescentes.

Essas mensagens chegam á consciência e são, portanto, com frequência, reescritas na memória. Geram novos condicionamentos comportamentais, como a propaganda da Coca-Cola “abra a felicidade”.

Existem ainda outros exemplos de como a indústria tem utilizado técnicas mnemônicas para incentivar o consumo de alimentos palatáveis (prazerosos).

Eis alguns: “amo muito tudo isso”; “um sabor inesquecível”; “exageradamente gostoso”; “com sabor de quero mais”; “impossível comer só um”.

As estratégias utilizadas para gerar esse aprendizado são três:

  1. A criação de uma percepção positiva sobre o produto, encorajando o consumidor a ir atrás dele.
  2. A informação de que o consumidor terá uma experiência prazerosa e recompensadora ao adquirir aquele produto, até chegar a dizer que ingeri-lo o fará “feliz”.
  3. Exposição frequente a marca, de forma a gerar uma aprendizagem dos sinais relacionados ao produto. Faz com esse venha à memória inesperada e repentinamente, quando passamos em determinado lugar ou vemos um outdoor.  
    Assim, quando temos diante dos olhos tal comida, e sentimos o aroma deles, é praticamente impossível não apanhar um. E, logo depois, esse gesto “abre o apetite” e nos faz querer mais.

Além do condicionamento comportamental, a própria composição desses alimentos, em sua maioria os da categoria fast food, influenciam o cérebro humano a desejarem comer mais.

Alimentos que favorecem a compulsão alimentar

Outra questão que influi bastante na compulsão alimentar, especialmente por doces, é a composição desses alimentos.

Atualmente, as indústrias têm desenvolvido uma série de produtos que ativam os centros de prazer no cérebro. Esses alimentos acabam sendo ingeridos em grande quantidade, mesmo se a pessoa não estiver com fome.

Os três componentes da dieta que respondem a essas características são:

 

  • açúcar;
  • gordura;
  • sal.

 

A mistura deles em doses “certas” tem efeito somatório na geração do prazer.

Alimentos ricos em açúcar, gordura e sal geram mais emoções positivas do que outros alimentos. Também aumentam a motivação para obtê-los, tão logo sejam lembrados ou estejam ao alcance da mão.

O açúcar e a gordura garantem uma maior disponibilidade de energia, enquanto o sal garante o balanço hidroelétrico vital para o funcionamento do organismo.

Por esse motivo, o nosso organismo desenvolveu um apetite particular por esses alimentos.

Quando esses componentes são combinados e acrescentados em maior quantidade à comida, direciona o consumidor a comer, mesmo na ausência da fome. A não enjoar e lembrar-se com mais facilidade da sensação prazerosa, a ponto de escolher aquele alimento, dentre os outros.

Agora você já sabe que a influência do condicionamento comportamental e da composição dos alimentos sobre os centros de prazer do cérebro é evidente.

Mas, isso não é suficiente para determinar as causas da compulsão alimentar. Existe um aspecto fundamental que precisa ser analisado!

O que faz alguém se viciar em comida?

Alguns indivíduos, como crianças, adolescentes, e adultos emocionalmente instáveis são mais suscetíveis a desenvolver padrões de comportamento descontrolados ao consumir substâncias que causam prazer.

No caso das crianças e adolescentes, o risco de iniciar uma compulsão se deve ao fato de estarem vivendo um período de experimentação mais intensa. Estão começando a criar significados e laços emocionais em relação à comida..

Os adultos emocionalmente instáveis encontram, muitas vezes, na comida um refúgio.

A falta de habilidade em lidar com as emoções faz com que algumas pessoas utilizem o alimento como uma válvula de escape.

Esse comportamento é denominado fome emocional.

A fome emocional

Compulsão alimentar

Como reconhecer a fome emocional?

Em geral, quando a necessidade de comer surge por razões emocionais, aparece repentinamente. Traz consigo a sensação de que precisa ser atendida logo.

A fome emocional é difícil de controlar. Geralmente, é saciada apenas pela ingestão de alimentos calóricos, ricos em açúcar e/ou gordura. Às vezes, mesmo depois de já estar saciada, continua comendo.

Esses pensamentos obsessivos por comida podem surgir, consciente ou inconscientemente, como um meio de evitar emoções dolorosas e/ou aliviar a ansiedade e o estresse.

Esse comportamento permite descarregar a tensão, raiva e frustração.

Por outro lado, após perceber que perdeu o controle sobre sua alimentação, se sente culpada.  

Habitualmente, a fome emocional está associada ao transtorno de compulsão alimentar, mas também a depressão, transtornos de ansiedade, problemas de baixa autoestima, insatisfação com o corpo, etc.

Já a fome fisiológica (não emocional) ocorre gradualmente. Pode ser satisfeita por uma grande variedade de alimentos e a pessoa pode esperar para comer. A sensação de fome cessa quando o indivíduo está satisfeito. E não costuma causar o sentimento de culpa.

Controlar a fome emocional é um dos grandes desafios de uma pessoa viciada em comida.

Fontes:

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