A hipnose tem sido usada para aliviar a dor em pacientes metastáticos, mas raramente para indução de anestesia.
O câncer de mama é o tipo de câncer mais frequente em mulheres, no mundo todo. No entanto, o tratamento que combate o câncer causa efeitos colaterais, relacionados às diferentes modalidades terapêuticas, como:
- Efeitos colaterais associados à cirurgia: dor, angústia, ansiedade.
- Efeitos colaterais associados à radioterapia: dor, fadiga, radiotermine, ansiedade.
- Efeitos colaterais associados à quimioterapia: náuseas, fadiga, dores musculares, vômitos, ansiedade.
- Efeitos colaterais associados à terapia endócrina: dores, dores musculares e articulares, ondas de calor.
Numerosos estudos têm destacado o valor dos procedimentos hipnóticos em diferentes situações clínicas, como o estresse ou o controle da dor, situações que são muito frequentes no tratamento do câncer. O presente estudo avalia o efeito da sedação hipnótica como uma modalidade de anestesia para cirurgia oncológica de mama, e investiga o efeito da sedação hipnótica em diferentes tratamentos de câncer de mama.
Confira:
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O que é a hipnose?
A hipnose foi definida por Liebovici como:
um procedimento durante o qual os pesquisadores da área da saúde sugerem que se alteram as sensações, percepção ou comportamento do paciente.
Continua difícil fornecer uma definição ideal de hipnose. Entretanto, a definição proposta por Montgomery caracteriza a hipnose como um
acordo entre uma pessoa designada como hipnotista e uma pessoa designada como paciente para participar de uma técnica psicoterapêutica baseada no hipnotizador, fornecendo sugestões para mudanças na sensação, percepção, cognição, afeto, humor ou comportamento.
Essa definição enfatiza a relação entre o hipnotizador e seu paciente como condição necessária para quem pratica a hipnose.
O presente estudo avalia os efeitos da sedação hipnótica como uma modalidade de anestesia para cirurgia oncológica da mama e investiga os efeitos da sedação hipnótica em diferentes modalidades de tratamento do câncer de mama.
A hipótese sustentada por nosso estudo é que a intervenção hipnótica é capaz de diminuir os efeitos colaterais da cirurgia e outras opções terapêuticas contra o câncer.
Material e método
Entre janeiro de 2010 e outubro de 2015, 300 pacientes da Clínica de Mama (Instituto de Câncer King Albert II, Clínicas Universitárias Saint-Luc, Université Catholique de Louvain) foram incluídos em um estudo observacional não randomizado aprovado por nosso comitê de ética local.
Grupo I: 150 pacientes consecutivos foram submetidos a cirurgia de mama (lumpectomia ou mastectomia), linfonodo axilar ou biópsia de linfonodo sentinela, enquanto estavam em anestesia geral.
Grupo II: E 150 pacientes consecutivos foram submetidos aos mesmos procedimentos cirúrgicos durante a sedação hipnótica.
Após a cirurgia:
- 32 pacientes receberam quimioterapia em ambos os grupos.
- A radioterapia foi administrada em 123 pacientes nos dois grupos.
- 115 pacientes em ambos os grupos receberam terapia endócrina.
A sedação por hipnose foi realizada da seguinte forma:
O primeiro e muito importante passo foi a consulta pré-operatória. Os anestesiologistas tiveram que explicar as modalidades e o curso de todo o procedimento. Eles também tinham que verificar se o paciente era um bom candidato a hipnosedação.
Depois de estar em uma posição confortável na mesa de operação, o anestesiologista induziu a hipnose com uma técnica descrita por Milton Erickson, convidando sua paciente a fixar os olhos em um ponto à sua frente e a concentrar-se em seu corpo para aumentar o relaxamento muscular e, finalmente, o fechamento dos olhos. Progressivamente, guiada pela voz do anestesiologista, a paciente foi convidada a focar sua atenção em uma memória positiva. Usando uma voz calma e monótona, o anestesiologista conversou continuamente com a paciente, orientando-a com sugestões permissivas e indiretas de bem-estar para reviver seu sonho ou experiência e permanecer distante da realidade que a cercava.
Um estado de bem-estar intenso é alcançado e mantido durante toda a cirurgia. Uma infusão contínua de remifentanil, uma droga micro-opióide, foi iniciada a uma taxa de 0,05 mg/kg/min e modificada conforme necessário. Em alguns casos, a infusão de remifentanil foi interrompida.
Um sistema de sinalização foi estabelecido entre o paciente e o anestesiologista em caso de desconforto. Se o paciente relatasse tal desconforto durante o procedimento, o anestesista reforçaria o estado hipnótico, pedindo ao cirurgião para dar mais anestesia local e também pode aumentar a taxa de infusão de remifentanil. O objetivo é garantir um nível consistente de conforto.
Ao final da cirurgia, o anestesiologista dá ao paciente a oportunidade de reutilizar a hipnose durante o tratamento do câncer.
Diferentes parâmetros foram estudados para cada modalidade de tratamento. Em relação ao perioperatório, a duração da cirurgia foi investigada nos dois grupos. Um dos objetivos deste estudo foi avaliar a duração do tempo de hospitalização, nos dois grupos. Nós também investigamos os efeitos da sedação hipnótica na produção de linfa. Finalmente, como os pacientes foram acompanhados prospectivamente, decidimos avaliar se a sedação hipnótica tem impacto nos efeitos colaterais da radioterapia, como astenia e incidência de radiodermites.
Resultados
1. Efeitos da hipnose no campo cirúrgico
A duração da hospitalização foi estatística e significativamente reduzida no grupo II versus o grupo I:
PROCEDIMENTOS |
GRUPO II |
GRUPO I |
Sedação hipnótica | Anestesia geral | |
Todos os procedimentos cirúrgicos |
3 dias | 4,1 dias |
Mastectomias com exploração axilar | 3 dias |
5,2 dias |
Lumpectomia associada à dissecção axilar, biópsia de linfonodo sentinela ou dissecção axilar complementar | 3 dias |
4,2 dias |
No grupo I (anestesia geral), a duração da lumpectomia foi globalmente estimada em 48min (intervalo entre 38 e 60 min).
No grupo II (sedação hipnótica), a duração foi estimada em 47min (intervalo entre 35 e 61 min).
A ansiedade foi medida antes do procedimento cirúrgico e após o procedimento cirúrgico. A ansiedade diminuiu significativamente no grupo de sedação hipnótica após o procedimento cirúrgico.
2. Efeitos da hipnose no tratamento adjuvante
A incidência de radiodermite (grau II e III) foi menos frequente no grupo da sedação hipnótica. Isto é, 5 casos de radiodermites moderada e grave no grupo de anestesia geral e apenas dois casos no grupo de sedação hipnótica.
A astenia observada no final da radioterapia foi mais grave no grupo I, com 50 casos diagnosticados com astenia grau III no grupo de anestesia geral. E 15 casos no grupo de sedação hipnótica.
Os efeitos colaterais da quimioterapia também foram estudados. Astenia grau III foi observada em 12 casos no grupo de anestesia geral e apenas 3 casos no grupo de sedação hipnótica.
A incidência de náusea e vômito não foi estatisticamente diferente nos dois grupos. Mas o número de pacientes submetidos a quimioterapia foi baixo nos dois grupos. Dez pacientes mencionaram náuseas e vômitos no grupo de anestesia geral e apenas 4 pacientes mencionaram vômitos e náuseas graves no grupo de sedação hipnótica. Os efeitos colaterais da terapia endócrina foram estudados nos dois grupos.
Discussão
Para nosso conhecimento, este é o primeiro grande estudo que investiga os efeitos da sedação hipnótica no lugar da anestesia geral no campo da cirurgia oncológica da mama e seus possíveis efeitos nas diferentes opções de tratamento.
Alguns estudos demonstraram que a hipnose tem efeitos positivos na dor, angústia, fadiga, náuseas e vômitos no pós-operatório. No entanto, não existem estudos investigando complicações cirúrgicas como hematoma ou linfocele. E nenhum dado sobre o efeito da sedação hipnótica na duração da hospitalização.
Nosso estudo sugere a redução da produção de linfa após a sedação hipnótica. Embora isso possa ser devido a um efeito no sistema imunológico, esses dados precisam ser confirmados.
Não foram observados efeitos deletérios da sedação hipnótica na duração do procedimento cirúrgico e complicações cirúrgicas como hematomas ou desfechos estéticos. Pelo contrário, em relação à duração da hospitalização, a sedação hipnótica provou ser benéfica.
Na segunda parte do estudo, exploramos os potenciais benefícios da sedação hipnótica e auto-hipnose em várias outras modalidades de tratamento do câncer de mama, como radioterapia, quimioterapia e terapia endócrina.
A hipnose tem grandes vantagens, independentemente do uso de antidepressivos e outros medicamentos, por vezes utilizados para ondas de calor em pacientes com câncer de mama.
Em nosso estudo, a redução das ondas de calor foi muito importante entre os pacientes com câncer de mama, e essa redução foi semelhante nos pacientes em uso de tamoxifeno, terapia antiestrogênica ou inibidores da aromatase. Dor nas articulações é outro efeito colateral frequente dos inibidores da aromatase. Este é um efeito que, infelizmente, leva alguns pacientes a descontinuar a medicação. No grupo de sedação hipnótica, observamos uma redução significativa da dor articular ou muscular. Este efeito colateral não foi previamente estudado com procedimentos hipnóticos na literatura.
Em nosso estudo, dois dos principais efeitos colaterais do tratamento do câncer, astenia e ansiedade, diminuíram significativamente com a intervenção hipnose. A National Comprehensive Cancer Network (NCCN) definiu o conceito de fadiga relacionada ao câncer como
um senso subjetivo persistente e angustiante de cansaço físico, emocional e/ou cognitivo ou exaustão relacionada ao câncer ou tratamento de câncer que não é proporcional à atividade recente e interfere com funcionamento normal.
É um dos efeitos colaterais mais comuns em pacientes com câncer.
Foi demonstrado que a fadiga é uma consequência do tratamento ativo, mas, infelizmente, também pode persistir no período pós-tratamento.
Estima-se que 43% dos sobreviventes de câncer de mama podem sentir angústia e fadiga como resultado do tratamento do câncer. Em nosso estudo, a hipnose parece muito eficiente para diminuir a astenia e a angústia.
O mecanismo que poderia potencialmente explicar esse impacto positivo pode estar relacionado à ausência de anestesia geral, o que poderia explicar uma diminuição na astenia pós-cirúrgica e uma melhor recuperação durante esse período. No entanto, este mecanismo seria incapaz de explicar um impacto positivo em diferentes tratamentos de câncer adjuvante, porque neste estudo os pacientes receberam apenas uma sessão de terapia hipnótica.
Outro mecanismo potencial é o fato de que a hipnose é capaz de diminuir a angústia e a ansiedade ligadas a procedimentos médicos, e a astenia e o estresse estão fortemente intrincados.
Conclusão
Neste contexto, intervenções que reduzam significativamente o sofrimento são necessárias para melhorar a experiência do paciente, especialmente no campo das intervenções oncológicas.
A hipnose é uma intervenção não farmacológica, sem efeitos colaterais não-específicos, que tem demonstrado ser benéfica na redução do sofrimento e da fadiga relacionada aos procedimentos médicos.
Este estudo mostra que a sedação hipnótica no contexto da cirurgia de câncer de mama não é apenas segura, mas também reduz o tempo de internação hospitalar.
Seus benefícios potenciais como anestesia para a cirurgia oncológica da mama excedem em muito esse procedimento único, mas podem induzir benefícios em todas as modalidades terapêuticas usadas para o tratamento do câncer de mama.
Estes resultados encorajadores promovem o conceito de oncologia integrativa.
Fonte:
- Artigo científico publicado em Journal The Breast, ScienceDirect: The advantages of hypnosis intervention on breast cancer surgery and adjuvant therapy.
- M. Berliere¹, F. Roelants¹, C. Watremez¹, M.A. Docquier¹, N. Piette¹, S. Lamerant¹, V. Megevand¹, A. Van Maanen¹, P. Piette², A. Gerday¹, F.P. Duhoux¹.
¹ Breast Clinic, King Albert II Cancer Institute, Clínica Universitária Saint-Luc. Bruxelas, Bélgica.
² Grand Hospital de Charleroi (GHdC). Bélgica.
- M. Berliere¹, F. Roelants¹, C. Watremez¹, M.A. Docquier¹, N. Piette¹, S. Lamerant¹, V. Megevand¹, A. Van Maanen¹, P. Piette², A. Gerday¹, F.P. Duhoux¹.
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