Eu juro que é melhor não ser o normal…
Quem ouve a música dos Mutantes, com forte influência da cultura hippie dos anos 60, relaciona a loucura a um estado descontraído, livre de preocupações e até mesmo eufórico. Mas, na prática, ter o diagnóstico de um problema de saúde mental já é o suficiente para colocar dentro da pessoa uma marca, uma cicatriz que ela carregará para sempre.
O objetivo deste artigo é ajudá-lo a entender algumas questões:
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Foi em busca dessas respostas que, em 1975, o psicólogo David Rosenhan realizou um estudo polêmico. Então leia até o fim para saber o que ele descobriu, e como isso afeta nossas vidas até hoje!
Um experimento controverso: o experimento de Rosenhan
A pesquisa de Rosenhan (“Being sane in insane places“) foi dividida em duas fases diferentes, contando com outros sete colaboradores.
Eles bateram na porta de hospitais psiquiátricos alegando que ouviam vozes, com objetivo de serem internados. E conseguiram.
A orientação era que assim que fossem internados, teriam que parar com os sintomas e agir naturalmente. Foi então que depararam com uma verdade inconveniente. Quando se trata de instituições psiquiátricas, entrar pode ser muito fácil, mas sair pode ser extremamente difícil.
Ao agir naturalmente, os colaboradores precisaram de, em média, 19 dias para terem alta. E um deles chegou a gastar 52! Todos eles receberam diagnóstico dizendo que eles eram esquizo-paranóides em remissão. Ou seja, algo bem diferente daquilo que você pode chamar de saudáveis mentalmente!
Impressionado? Pois a segunda parte dessa pesquisa foi ainda mais perturbadora.
Diagnósticos em xeque
De posse de todos esse dados, David chegou a um hospital psiquiátrico do tipo universitário e lançou um desafio:
Nos próximos meses, eu vou mandar pessoas saudáveis fingirem que tem vozes, como nós fizemos. E vocês vão ter que descobrir quais são saudáveis mentalmente e quais aqueles que são não adaptativos, anormais.
Com o passar dos meses, 193 novos pacientes chegaram ao Hospital Psiquiátrico, dos quais 41 foram identificados como os normais e saudáveis. Que teriam sido inseridos lá por causa do Rosenhan.
Uma descoberta inconveniente
Esse estudo foi criticado duramente por vários cientistas. E para entender tamanho incômodo causado, vamos à conclusão de David Rosenhan. Afinal, você deve estar curioso para saber quantos dentre aqueles 193 pacientes eram pessoas normais enviadas pelo cientista.
Os médicos diagnosticaram 41 como sendo normais. Será que eles acertaram?
A conclusão do estudo foi de que, na verdade, esses diagnósticos falavam mais sobre questões pontuais dos sujeitos do que algo que realmente era da vida deles.
Por exemplo, suponha que alguém tenha assistido o filme “A Bruxa de Blair” ou “Atividade Paranormal”. E a pessoa tenha naquele dia, devido à expectativa, ouvido alguma voz. Isso não quer dizer que a pessoa tenha algum problema de saúde mental.
Nem significa que essa pessoa é realmente esquizofrênica. Podem ser apenas questões pontuais.
Mas, sem prolongar o suspense, vamos aos números. Você quer saber quantos dos 193 pacientes foram ao hospital universitário a pedido de Rosenhan, fingindo ter transtornos psiquiátricos? Nenhum deles.
Essa pesquisa trouxe à tona o poder dos rótulos sobre as pessoas que já foram diagnosticadas como alguém portador de transtorno de saúde mental. Essas pessoas ficam com cicatrizes, uma sombra que as acompanha pelo resto de suas vidas.
Critérios para diagnóstico de saúde mental: o que é ser normal?
O questionamento essencial de Rosenhan é o mesmo que buscamos refletir neste artigo.
Aliás, escutamos isso muito.”Tal comportamento não é normal”. Afinal, o que é ser normal? Como que traçamos essa linha entre a normalidade, o saudável, o típico, o adaptado, ou aquilo que não é anormal; que não é adaptado, que é o chamado “desviante”?
Em primeiro lugar, precisamos explicar que não existem testes biológicos para poder identificar transtornos mentais. Ainda que a ciência já tenha identificado alguns marcadores genéticos, nada disso é conclusivo.
Todos os diagnósticos são baseados nos comportamentos das pessoas. E é nesse contexto que vai surgir o famigerado Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. O famoso DSM-5.
Esse manual surgiu com objetivo de padronizar os diagnósticos dos transtornos mentais. Para isso, estabeleceu os seguintes critérios:
1. Sofrimento
A premissa aqui é que a condição mental desviante, fora do padrão, traria um sofrimento para o sujeito ou para as pessoas que estão ao seu redor. E essa condição tem que ser típica do indivíduo, algo que seja da sua própria biologia ou algo relacionado com sua estrutura mental. Ou até mesmo algo relacionado com algum hábito aprendido.
Ainda que os transtornos mentais em geral sejam potencializados pelo ambiente fragilizado, como uma esquizofrenia, depressão, por exemplo, isso não pode ser um fator determinante.
2. Disfuncionalidade
O segundo critério para identificarmos a doença como um transtorno mental é a chamada disfuncionalidade. Quer dizer, essa condição realmente atrapalha a pessoa de ter sua vida normalmente? A impede de ter amigos, ter lazer, trabalhar, produzir?
Um bom exemplo é a depressão, uma doença que é altamente debilitante em todas essas áreas. Pessoas deprimidas não conseguem se levantar pra ir pra aula, não conseguem se levantar para ir para o trabalho, não conseguem se divertir com os amigos.
Acabam perdendo do emprego, acabam perdendo os amigos. E vão afundando cada vez mais nessa condição. Ou melhor, existe um sofrimento, e esse sofrimento é disfuncional.
3. Desvio social
De todos eles, esse é o critério mais polêmico e criticado do manual psiquiátrico. Foi por causa dele que a homossexualidade foi doença até o início dos anos 80, porque não era considerado algo comum.
Se costuma atribuir a desvio social quando a pessoa tem algum comportamento que é incompatível com seus pares, ou seja, que causa estranheza. E aquilo que é realmente desvio social vai variar de cultura pra cultura.
Imagine, por exemplo, que você está numa guerra. Você ficar paranoico, preocupado com bombas, preocupado com assaltos, isso é normal. Isso é natural.
Agora, você ficar com todo esse comportamento no seu dia-a-dia, morando numa cidade que é tranquila, isso não é normal.
Mas veja que existe então um contexto cultural e social para identificar o que é normal ou não. E isso também é um problema. No lançamento das últimas atualizações desse manual, o DSM-5, existia uma expectativa muito grande de que muitas das chamadas parafilias fossem removidas.
O que é uma parafilia?
Parafilia é todo comportamento em que durante o sexo, o ato sexual em si é a parte menos relevante para a pessoa. E os tipos de parafilia? Zoofilia, pedofilia, etc.
Agora, vocês concordam comigo que é muito deferente caracterizar zoofilia ou pedofilia como parafilia ao falar, por exemplo, de outras parafilias como sadomasoquismo?
Se tem uma pessoa que gosta de praticar sadomasoquismo de maneira consensual, isso é atualmente considerado doença. O mesmo para podolatria: pessoas que tem fetiche com pés bonitos e gostam muito de pés são considerados doentes mentais. E isso é um absurdo!
Saúde mental e dilemas morais
É importante que entendamos que esse critério social tem que ser usado com muita cautela. Vivemos numa sociedade que vive a falácia do falso dilema: ou você é “petralha” ou é “coxinha”. E na verdade esse tipo de divisão não pode atingir a nossa opinião sobre os transtornos psiquiátricos.
Frequentemente acabamos tendo apenas dois grupos, aquele que vai falar que é tudo culpa do capitalismo, da indústria farmacêutica e que não existem realmente transtornos mentais.
Por outro lado, o grupo que fala que a humanização não é importante, que a subjetividade não é importante.
Só que entre eles existe um imenso gradiente de respostas aí, ou seja, eu não tenho que estar nesses extremos.